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Maitreya - tornando-se um Buda

 

A formação espiritual de um Buda representa um dos processos mais complexos e desafiadores que pode existir no mundo atual, porque significa antecipar uma realização espiritual em muitos eóns quando a humanidade finalmente estará naturalmente preparada para ela, sendo daí compartilhada por todos. Até lá aquilo que temos é um quadro de esforços, renúncias e provações especiais para manifestar tais energias divinas na Terra. 

Tampouco precisamos insistir que para alcançar tantos objetivos, é necessário começar os esforços espirituais muito cedo, e realizá-los de forma sempre muito sólida e coerente. Quiçá, um Avatar necessita ser provado intensamente desde o seu nascimento e também dar provas abundantes de sua determinação em servir ao mundo como servem os deuses.

No presente estudo trataremos das grandes etapas búdicas e suas Hierarquias, vividas e alcançadas progressivamente por cada Buda segundo a natureza de sua missão, na forma dos chamados “Veículos dos Budas”, analisando também os esforços de Maitreya através dos grandes caminhos cósmicos de evolução. Desde já anunciamos que as presentes abordagens são vinculatórias, aplicadas e ilustrativas, extrapolando assim as visões restritas e segmentadas geralmente apresentadas pela literatura budista; já que este representa um assunto ao qual o Budismo não costuma oferecer maiores aprofundamentos.

Este estudo dará então a oportunidade para tratar da questão dos Monomitos, que é a aparente repetição de mitemas semelhantes em diferentes culturas. Demonstraremos as raízes deste quadro e onde a influência pode ou não acontecer. Mesmo havendo coisas em comum em função dos pré-requisitos convencionais para que uma avatarização aconteça, certas informações necessitam ser renovadas em cada nova manifestação divina, em função da necessidade de reafirmar a sua integridade e afastar as distorções da transmissão corrompida de informações. 

As diferenças também existentes entre estes mitos possuem causas que podem extrapolar as suas simples formulações exteriores étnicas de linguagem e de simbolismo. Acontece que os próprios avatares podem ser de categorias distintas e os mitos poderão refletir então este fato. 

1. As pegadas dos Budas (os Planos Cósmicos) 

É do conhecimento que aos Budas são atribuídos vários corpos ou veículos especiais de expressão chamados kayas, que são geralmente em numero de três, podendo porém chegar até a cinco, que é o número base da cosmologia budista.

Trata-se pois dos corpos de Manifestação, de Compaixão e de Conhecimento -e mesmo outros segundo certas correntes. O que são exatamente estes veículos? São estruturas evolutivas próprias da condição búdica, ou seu ritmo evolutivo por assim dizer, reunindo suas próprias sínteses energéticas.

Ora, da mesma forma como as energias da esfera siríaca ou hierárquica são triangulares -como demonstramos em nosso estudo anterior sobre a natureza dos Bodhisatwas-, as energias da esfera divina são setenárias em função da própria escala introduzida pelo grau de Bodhisatwa. Vimos que o próprio coroa ao Plano Físico Cósmico que simboliza o nosso sistema solar de evolução espiritual, e neste caso os Budas já avançam para os Planos cósmicos seguintes através dos seus sucessivos veículos, uma vez que a unidade evolutiva dos Budas passa a ser o próprio setenário. Embora os detalhes às vezes pareçam diferentes, o tema conflui com a doutrina dos quatro mundos da Cabala nomeados como "Emanação", "Criação", "Formação" e “Manifestação".  Num certo sentido, cada um destes Veículos possui uma relação direta com alguma natureza de Buda dentro da grande Hierarquia budista. Comumente fala-se apenas de três mundos excluindo o primeiro ou de Manifestação, que representa este nosso mundo material, e que corresponderia à evolução de Bodhisatwa, pois não se trata de uma condição divina Absoluta por incluir as evoluções humanas.

Com base em tudo isto, podemos atribuir uma cronologia para os Veículos do Budas com base em sete iniciações realizadas em doze anos. Isto tem analogias naturalmente com os ciclos de doze anos de Júpiter, mas também com os arcos cósmicos de 12 mil anos e suas Sete Eras Zodiacais.

Os Veículos dos Budas são iniciações cósmicas, porque depois que o iniciado alcança a sétima iniciação a sua energia passa a trabalhar com uma nova unidade evolutiva, que não é mais a unidade humana e sim a cósmica. Estes veículos são portanto analogias cósmicas dos graus humanos e também dos Elementos Alquímicos, assim como dos próprios alinhamentos de consciência de certa maneira, que são Personalidade, Alma e Espírito.

Cada plano cósmico possui as mesmas subdivisões setenárias, porém elas não exigem os esforços específicos que pediram na evolução do físico cósmico por serem estes mundos nirvânicos (muito embora ofereçam oportunidades análogas de experiências), porque agora o iniciado está num curso maior de evolução.

Os Planos Cósmicos são mais conhecidos por serem objetos dos Sete Caminhos Evolução Superior que podem tomar os Mestres que entram em nirvana após a sua ascensão espiritual, com exceção do Primeiro Caminho ou de Serviço Terreno que mantém o Mestre no planeta para fins de auxiliar diretamente a humanidade. Este Caminho é iniciado então pela Senda dos Bodhisatwas e depois avança para os graus propriamente búdicos, porém não entraremos em detalhes a respeito neste estudo para não prolongar em demasia o conteúdo.

Os Planos Cósmicos geralmente arrolados são em número de três, porque existem apenas três destes planos plenamente consolidados neste planeta. Todavia um quatro plano de evolução cósmica também está por se consolidar na atualidade, e os esforços de Maitreya também estão voltados nesta direção.

Cada estágio demanda um novo ciclo de renúncias e de sacrifícios, com esforços e objetivos próprios. Aquilo que faz de alguém realmente um Buda é, em última análise, a sua atitude, dentro de uma ordem coerente de realizações. Caso um Buda não renove os seus votos nestes termos, ele terá a sua condição estacionada onde está. Tudo isto é muito surpreendente e se destaca do comum, já que renúncias não são gestos comuns, menos ainda repetidamente.

Por fim, o Budismo parece bastante objetivo em retratar os Budas como Seres de Conhecimentos, uma vez que o termo “Buda” deriva diretamente do nome do planeta Mercúrio, Buddha, que é o planeta associado à mente e ao conhecimento. Com efeito termos paralelos como o sânscrito Manu apenas reforçam esta tendência pois significa “Pensador”. Os presentes estudos baseados na história de Maitreya testemunham pois diretamente nesta mesma direção. O quadro abaixo resume pois ea função de cada Buda em seu respectivo estágio ou veículo:

1. Nirmanakaya: Conhecimentos Iniciáticos

2. Sambhogakaya: Conhecimentos Universais 

3. Dharmakaya: Conhecimentos Gerais Aplicados

4. Vajrakaya: Conhecimentos Perfeitos

2. O Nirmanakaya

O chamado “Corpo de Manifestação” ou Nirmanakaya, é aquele no qual o Buda basicamente tem a sua formação espiritual por esta razão nós o equiparamos ao próprio curso evolutivo do Bodhisatwa. Tal veículo incluiria portanto as sete iniciações do Plano Físico Cósmico, a serem experimentadas idealmente entre os 20 e os 32 anos de idade, chegando assim na famosa “idade do Cristo”. A base energética deste plano cósmico são “pontos de luz”, também conhecidos como prana. Nesta etapa o iniciado acumula basicamente conhecimentos esotéricos ou de iniciação. 

Em nosso estudo anterior sobre o Bodhisatwa mencionamos a importância dos livros sobretudo na formação de Maitreya, e aqui colocaremos ênfase também na sua atividade como prolífero autor. Confirmou-se nesta etapa que sempre que Maitreya tomava conhecimento de algum grande Ensinamento, ele já demonstrava forte intimidade com os seus conteúdos, seja pelo aspecto teórico e mesmo quanto a alguma prática que ele mesmo já desenvolvera nesta e mesmo em outras vidas.

Maitreya sempre teve uma relação muito importante com os livros; na falta de mestres vivos os livros podem chegar a ser ótimos substitutos. Com efeito é possível assinalar literaturas e inclusive obras específicas que foram determinantes para as mudanças de fases da vida de Maitreya.

Depois que abandonou os estudos formais Maitreya deixou de contar com o apoio financeiro da família e quase não podia comprar livros, embora ele sempre desse um jeito de encontrar aquilo que precisava, se preciso ele até se cotizaria com amigos para fazer algumas aquisições conjuntas. 

Ainda assim a herança familiar seria determinante. O conhecimento dos Evangelhos foi fundamental para o seu grande despertar espiritual, graças a uma obra legada por sua avó religiosa.  Porém no começo da sua fase yogue de Maitreya também poderá contar com uma herança semelhante através do seu avô alemão que era um filósofo naturista, e do qual Maitreya herdaria uma biblioteca importante, tal como muito material sobre viagens. Com o apoio desta biblioteca Maitreya começar a exercitar-se nos métodos naturais de curas e de terapias, adquirindo em especial muito conhecimento sobre a prática do jejum, um recurso que se mostraria vital no enfrentamento de inúmeras enfermidades ao longo da sua existência.

De resto Maitreya sempre contava com o auxílio das bibliotecas dos ashrams onde viveu, eventualmente até mesmo enriquecendo-as com novas aquisições. Após a sua iluminação Maitreya já viveria um período de opulência econômica. Percebendo um momento de fragilidade em Maitreya, sua família decide transmitir em vida uma rica herança aos filhos, na vã esperança de que as posses fizessem Maitreya aterrissar para sempre na vida material.

Não obstante, até pelas restrições que sua saúde lhe impunha no período como sobrevivente da quarta iniciação, Maitreya não tinha maiores ambições materiais. A única área em que Maitreya via a sua vida realmente se expandir na época era em seu trabalho de hermenêutica dos Mistérios Tradicionais, de modo que não tardará a buscar formar boa biblioteca particular. Premia-o nesta direção o fato de não existir uma biblioteca espiritual e esotérica capaz de atender a dinâmica das suas pesquisas, de modo que ele trataria de criar uma.

Maitreya sabia o quanto ele devia aos livros ao longo de sua vida espiritual. E agora que ele se tornara um grande canal de sabedoria e uma fonte direta de conhecimentos, não hesitaria em investir na organização de uma grande biblioteca voltada para a espiritualidade, capaz de atender a amplitude ecumênica de suas investigações. E foi assim que, apoiado internamente por seus Mentores e externamente por sua rica biblioteca -e tudo enriquecido por sua ampla experiência esotérica-, Maitreya pode dar início ao seu trabalho como grande autor esotérico em benefício das futuras gerações.

3. O Sambhogakaya

Na sequência tem-se o veículo de compaixão ou Sambhogakaya, incluindo sumariamente as sete iniciações do Plano Astral Cósmico, a serem experimentadas idealmente entre os 32 e os 44 anos de idade, culminando assim numa idade relacionada ao ciclo do Kalpa completo. A base energética deste plano cósmico são “curvas de luz” também semelhantes a ondas. Nesta etapa o iniciado reúne saberes associados às religiões e às profecias.

A primeira categoria de Buda  propriamente dito seria aquela chamada Pratyeka, que significa "isolado" ou "avulso". Refere-se pois a um Buda que permanece aparentemente  sem ensinar, fato este que tem motivado por vezes interpretações despropositadas como aquelas de considerá-lo como uma espécie de “Buda egoísta”, como se fosse possível reunir esta duas palavras numa só frase.  Esta é pois uma oportunidade para começar a desvendar este instigante mistério da tradição budista e universal.

Se tivermos em conta que esta fase sucede as crises das primeiras iluminações do iniciado que culminam na condição de Bodhisatwa, vemos que o isolamento do Buda faz todo o sentido. Depois de sua ressurreição Jesus desapareceu de cena, e ninguém sabe realmente o que aconteceu então. De fato ele realizou um retiro obrigatório em função das sequelas da própria crucificação, mas seguiu reunindo informações esotéricas e orientando alguns poucos discípulos nos bastidores da História, como uma das expressões do Governo Oculto do Mundo.

A sina do Buda Pratyeka é portanto muito semelhante ao mito de Prometeu onde o herói termina afixado a uma rocha enquanto uma águia perfura o seu fígado, como penalidade por trazer o conhecimento sagrado para a humanidade. A rocha é a própria terra ou a materialidade e a águia significa o agudo sofrimento emocional que também acompanha o processo expiatório. O Buda necessita então enfrentar tais padecimentos para saldar ou atenuar o carma planetário, de modo que seja permitido trazer luz sobre os caminhos futuros da humanidade. Podemos dizer que a humanidade não está preparada para a evolução, por causa da densidade da atmosfera do planeta, porém a espiritualidade trata de abrir os seus caminhos suscitando mensageiros compassivos da sabedoria eterna.

O Buda Isolado traduz pois um momento o crítico da evolução de um Buda onde ele vive uma transição desde a restrita posição de um Bodhisatwa e a posterior liberdade de um Buda plenamente iluminado ou samyak-saṃbuddha. O Pratyeka representa pois um Buda mais recolhido ou convalescente, dedicado aos seus esforços de auto-recuperação, mas exercendo também atividades de registro e de comunicação dentro dos limites que as circunstâncias lhe impõem. 

Na vida de Maitreya algo semelhante também acontecerá. Esta foi a fase em que ele organiza a base ecumênica dos seus trabalhos, com grande produção esotérica, colocando uma nova base para a renovação das religiões a partir da codificação do Pramantha Universal, os códigos iniciáticos fundamentais das raças, superando assim as bases astrológicas antes estabelecidas enquanto Bodhisatwa. E dentre as várias doutrinas assim elaboradas, destaca-se pois um Novo Dharma que Maitreya associou ao arco-íris através da ideia do equilíbrio dos opostos, como caminho objetivo para a realização da Suprema Verdade cósmica da Felicidade universal. Maitreya posiciona-se assim como um Buda positivo, em contraste com a postura negativa de Gautama focada na dor, a qual certamente não está equivocada porém pertence a um outro ciclo do mundo. Maitreya deu o nome deste Dharma de Tushita em homenagem ao paraíso dos Budas.

Assim um Buda pode produzir muito em sua etapa Sambhogakaya, apesar das restrições quanto a maiores manifestações exteriores. Ocorreria assim do Pratyeka ser uma espécie de Buda de Bastidores. Como ele não alcança um grau externo ou físico de manifestação social, tampouco manifestaria alguma missão histórica notória. Eventualmente o Pratyeka se manifesta em complemento de outra missão, como extensão do trabalho do Bodhisatwa ou como preparação da manifestação de outras categorias de Budas.

Maitreya pouco viajará nesta fase de sua vida, estando mais ocupando com suas próprias curas. Poderíamos ter um bom exemplo dos acontecimentos desta etapa através dos dramas de Osíris. Após o seu assassinato e sepultamento temos a intervenção da maga Ísis e eventualmente de sua irmã Néftis. Osíris achava-se então num esforço de recuperação pessoal, isto é, de plena ressurreição, mas que não deve confundido com alguma iniciação que possa receber este nome. Para facilitar o processo a espiritualidade envia-lhe então uma iniciada de grande pureza e poder espiritual, que no Budismo corresponderia a uma Tara Branca. Sabemos que deste relacionamento também nascerá um filho importante que é Hórus, base das futuras dinastias solares do Egito. 

De modo que Maitreya aqui também criaria uma nova família, fruto da aproximação de uma Tara Branca. Porém como quase tudo na vida de um Buda é dinâmico e transitório, ele também logo amargaria mais uma separação com todas as suas dolorosas consequências, e que seriam o prenúncio de uma nova fase de grandes crises e de renúncias do Novo Buda.

4. O Dharmakaya

A terceira etapa de Dharmakaya ou Corpo de Conhecimento inclui as sete iniciações do Plano Mental Cósmico, a serem conhecidas idealmente entre os 44 e os 56 anos de idade, alcançando o segundo retorno de Saturno. A base energética deste plano cósmico são “triângulos de luz” que também atuam como raios. Nesta etapa o iniciado reúne as informações superiores relacionadas aos novos modelos de Civilização. Ora, vimos no estudo sobre a Jornada o Bodhisatwa a grande revolução energética que representa a síntese triangular, a ser colhida especialmente no grau seguinte de iluminação verdadeira.

A categoria búdica que corresponde a este estágio seria aquela de Manushi ou Buda Humano, que é aquela que alcançara o Buda Gautama. A proximidade com o termo Manu é evidente, aquele que cuida das coisas da Civilização na filosofia hindu.

Nesta fase Maitreya começa a observar que, apesar de todos os avanços que obtivera em termos esotéricos, o seu amplo conhecimento ainda tem limites e é imperfeito para fins de alcançar as pessoas de uma forma mais ampla. Em especial considerava que a sua astrologia mantinha-se ainda numa esfera excessivamente teórica, estática e relacionada ao passado.  

E como quase tudo na vida de um Buda é dinâmico e transitório, ele também amargaria nesta etapa mais uma separação familiar com todas as suas dolorosas consequências, e que seriam o prenúncio de uma nova fase de grandes crises e de renúncias do Novo Buda. 

Insatisfeito com tudo isto, decide-se então por um novo recomeço espiritual. Com esta finalidade, decide então abdicar de todo o seu patrimônio material, como sacrifício pessoal para receber as informações que necessitava. Através desta nova renúncia, Maitreya renova os seus votos em grande estilo e avança para além do patamar búdico estabelecido por Gautama, abrindo assim um novo campo de evolução racial para a humanidade.

Logo começa a viajar a esmo como gesto de auto-abandono à providência, e nisto não tardará a alcançar aquilo que almejava, obtendo as bases para uma visão efetiva da evolução orgânica da humanidade e da formação da nova raça-raiz. E assim Maitreya pode compreender o passo a passo da evolução e vislumbrar a chegada da futura Idade de Ouro.

Com isto sente-se premido a buscar as regiões que esta revelação estava a indicar, porém agora estava sem recursos. O único bem que lhe restava era a sua enorme biblioteca especializada, organizada ao longo de décadas, que era uma grande fonte de orgulho para Maitreya, o qual porém não hesitou em tratar de vendê-la para obter recursos e poder começar esta nova etapa de vida. O conhecimento estava afinal agora já amplamente incorporado nele, inclusive em termos de erudição universal, sendo perfeitamente capaz de seguir doravante o seu grande processo de criação sem o acesso aos seus livros. 

Tudo isto culminaria pois na formulação de um novo modelo de civilização, obra característica dos Manu raciais, trazendo luz sobre a Civilização Cósmica do futuro da humanidade. Com tais atitudes Maitreya renova vertiginosamente toda a sua trajetória e avança também sobre a evolução espiritual histórica determinada pelos Budas anteriores. 

Aqui devemos lembrar não obstante, que o Buda Gautama sentiu-se em dúvida a certa altura sobre a aceitação do seus ensinamentos. Brahma então interviu estimulando-o a insistir, e na prática Brahma simboliza aqui a importância de outorgar uma dimensão social à sua obra. Deriva daí pois a conhecida crítica que o budismo exerceu sobre o antigo sistema de castas da Índia. Em nosso estudo anterior concluímos sugerindo que, se o Bodhisatwa tem o domínio da religião, o Buda já terá o domínio da Civilização como um todo. Acontece que a conquista da própria alma representa o portal de acesso para a Civilização nos elevados moldes previstos pelas Hierarquias.

O Buda Gautama também é famoso como um grande renunciante. Mas aqui fica a pergunta: ele renunciou apenas ao que ainda teria, ou igualmente àquilo que já tinha?

5. O Vajrakaya

Seguramente todo este processo pode prosseguir, porém em termos cada vez mais raros e elevados. A condição anterior encerra a maioria das abordagens sobre os veículos do Buda. Porém outras visões afirmam que em seguida amadurece o veículo cristalino ou Vajrakaya, associado às iniciações do Plano Búdico cósmico, a serem conhecidas idealmente entre os 56 e os 68 anos de idade. A base energética deste plano cósmico são “cruzes de luz”. Nesta etapa o iniciado reúne saberes associados ao perfeito conhecimento dos calendários cósmicos e das energias divinas.

 A categoria búdica que corresponde a este estágio seria aquela de Dhyani Buda, ou Buda de Meditação, que é aquela que alcançara o Avatar Krishma. Os Budas Dhyani estão relacionados à mandalas e, portanto, a sínteses abrangentes. Neste estágio Maitreya aprimora assim o seu conhecimento das mandalas cósmicas e prepara a grande síntese dos seus conhecimentos, alcança então completar a sua organização do Relógio Cósmico, permitindo acessar o completo cânone esotérico da cosmologia tradicional, para organizar em definitivo as “enciclopédias” esotéricas que iluminarão os caminhos futuros da humanidade. Nesta etapa Maitreya também se capacita a liderar ativamente a humanidade nos caminhos do seu futuro racial e planetário, manifestando assim o Manu mundial.

O Plano Búdico Cósmico tem sido alcançado unicamente por Sanat Kumara, que está atualmente consumando o seu ciclo de iniciações divinas. Este quadro está limitado ao estágio atual da evolução humana que é a Quarta Ronda de Evolução de que fala a Doutrina Secreta, e que encontra-se portanto no seu final, trazendo a aproximação da Quinta Ronda e consigo a missão de um Quinto Kumara ou um novo Adi Buda ou Buda Primordial. 

Este final de Ronda oportuniza também um importante alinhamento de ciclos, em termos de Era, Raça e Ronda, mas também neste caso de Sistema Solar posto que a nova Ronda representa um Pralaya ou início de Ano Cósmico. 

Em tese estes fatos trariam vários avatares para reger estes ciclos, podendo porém algum avatar também acumular missões, a depender de até onde ele poderá avançar nas suas iniciações cósmicas nesta altura. Por isto existem imagens de avatares com várias faces, como é o caso de Vaikuntha que é uma encarnação suprema de Vishnu, sendo Vaikuntha também o nome do paraíso de Vishnu.

6. Conclusões 

Amplo e diversificado resulta pois o trabalho dos Budas em favor da humanidade. Podemos resumir então estes quatro estágios das Atividades dos Budas nos seguintes termos:

1. Nimanakaya: Infusão de energias no planeta

2. Sambhogakaya: Queima do carma da humanidade

3. Sambhogakaya: Criação de doutrinas sócio-espirituais

4. Vajrakaya: Guiança ativa na transformação global 

Poderíamos ir adiante nos corpos do Buda? Algumas fontes budistas mencionam também o veículo Svabhāvikakaya que é frequentemente chamado de "cósmico” ou “corpo de quintessência”, que embora para alguns poderia ser apenas uma variante do quarto veículo. A proximidade da quinta ronda de evolução poderia começar a permitir porém um novo degrau cósmico para a evolução da espécie humana. De todo modo por uma simples questão de efemérides devemos nos limitar pelo momento a avaliar de fato apenas o quarto estágio, esperando que o presente estudo possa ter trazido novas luzes sobre estes instigantes mistérios maiores das realizações espirituais da humanidade.


Maitreya - a jornada do Bodhisatwa

 Assista também a este conteúdo resumido em Vídeo

A formação do Bodhisatwa é aquela no qual o Iniciado realiza as suas primeiras renúncias e manifesta as suas iniciações correntes mais ou menos da forma como o assunto é abordado pelas Escolas de Iniciação, culminando na sua iluminação ou nas primeiras iluminações da Tríade Superior.

Não raramente ouvimos dizer que a existência de um Avatar personifica um arquétipo de perfeição. O que significa porém exatamente isto? As tendências materialistas facilmente levam a projetar o Avatar num belíssimo corpo físico e dotado de uma saúde radiante. Nada disto está muito longe da realidade, porém o mais importante são coisas mais sutis. O verdadeiro objetivo dos yogas físicos não é alcançar boa saúde, mas servir para acessar as verdadeiras energias espirituais.

Existem pois alinhamentos pessoais com os arquétipos cósmicos e acima de tudo verifica-se um padrão evolutivo ideal, permitindo o máximo de aproveitamento das experiências e o maior desenvolvimento possível das energias pessoais. Neste aspecto, os estágios de evolução do avatar também refletem com perfeição as etapas evolutivas da própria humanidade, nesta ordem: xamanismo, espiritualidade e cosmificação. 

No presente estudo trataremos pois da etapa propriamente espiritual do novo Buda, em relação às suas iniciações planetárias e solares. Já não entraremos porém em maiores detalhes a respeito das iniciações de Maitreya, porque tudo isto tem sido tratado em outros estudos nossos, inclusive nos termos das etapas-de-vida na sociedade védica. Trazemos aqui portanto uma abordagem mais geral do trabalho e da natureza dos Bodhisatwas. E teremos a oportunidade de observar que muitas das ações atribuídas ao Buda na realidade foram efetuadas ainda sob a sua condição de Bodhisatwa.

1. A natureza do Bodhisatwa

Até onde pode ir um iniciado em sua evolução espiritual?! A resposta a isto depende de dois aspectos: de um lado o teor de suas próprias aspirações, e de outro lado as possibilidades e as demandas que o seu tempo lhe apresenta. É isto que destaca em última análise o Bodhisatwa dos iniciados comuns.

O Bodhisatwa é basicamente um Adepto aperfeiçoado e com grande sentido de compaixão. As condições para alguém chegar até a condição de Adepto são bem definidas, estando basicamente determinadas pela capacidade de superar o umbral da quarta iniciação, o qual geralmente traz a morte física para os seus postulantes. As possibilidades de alguém sobreviver para ir ainda além disto já dependerão basicamente das circunstâncias históricas, quer dizer, da necessidade de surgir um Avatar no mundo, sinalizando alguma transição importante de tempos.

E para isto será preciso realizar um perfeito aproveitamento do seu tempo vital, sinalizado por renúncias precoces à vida mundana. O Bodhisatwa é aquele que se prepara assim não apenas para a sua iluminação, mas também para a plena superação da crise da iluminação…

Graças a sua determinação Maitreya galgou todas as iniciações no seu tempo mínimo possível. Sua aspiração era tão forte que por vezes era obrigado a ter paciência para não forçar perigosamente as energias. Então ele também teve que ser paciente e aprender a “apressar-se lentamente” como pediam os ensinamentos. A fim de agilizar os seus processos espirituais, Maitreya foi viver em ashrams assim que teve o seu despertar espiritual, e após certo tempo também saiu deles para atuar no mundo porque as virtudes dos ashrams já estavam solidamente incorporadas nele.

Não é casual que a iluminação dos grandes Mestres aconteça aos trinta anos de idade como testemunhariam várias biografias avatáricas, e que esta idade se relacione ao apogeu da condição biológica humana. Mesmo assim não estaríamos falando de uma condição mais ou menos comum, mas de iniciados que tem realizado já treinamentos consistentes nos chamados três planos de esforços humanos que são o físico, o emocional e o mental. Portanto as tradições primitivas de que os sacrificados devem receber o melhor tratamento antes da sua execução possuem uma base simbólica consistente.

O Bodhisatwa é conhecido como sendo um renunciante por excelência. Aquilo que torna alguém um Bodhisatwa, não é portanto nenhum simples voto simbólico, e sim atitudes bem definidas de renúncia, de consagração e de dedicação ao caminho espiritual. É isto que permite no final das contas um perfeito aproveitamento do tempo para que o aspirante possa alcançar a sua iluminação sob os marcos mais adequados de tempo.

O processo de avatarização acontece na existência dos Grandes Iniciados aos 33 anos de idade, chegando assim na famosa “idade do Cristo”, após 12 anos de esforços. O Arcano 12 do Enforcado pode ser servir de referência para o ciclo de 12 anos de evolução do Bodhisatwa. Os tratados orientais afirmam que Maitreya “alcançará bodhi (iluminação) em sete dias (que seria o período mínimo), em virtude de suas muitas vidas de preparação para o budaísmo semelhantes às relatadas nos contos de Jataka.” Estes “sete dias” devem ser entendidos como sete anos, e isto seria viável também sob certa abordagem.

A cronologia destas iniciações pode ser dividida de diferentes maneiras. Parte do processo pode empregar o símbolo da Tetrakys pitagórica, cujos quatro níveis preparam a iluminação na quarta iniciação, através da compressão do tempo-energia numa espiral piramidal, que corresponde espiritualmente ao aprimoramento e ao avanço das técnicas esotéricas empregadas. 

A Tetrakys possui apenas dez elementos (através da fórmula 4-3-2-1 nesta ordem) que no caso serão dez anos de esforços, porém os outros dois correspondem a etapas ou energias de transição como demonstra a Doutrina do Manvantara.  Não muito diferente sucede com a Árvore Sefirótica da Cabala, com suas sefirots ocultas. Este padrão também está respaldado pela geometria sagrada do triângulo ou do valor três do Triângulo de Pitágoras e do tetraedro, na fórmula 3x4. 

O cerne da Missão do Bodhisatwa é a sua crucificação espiritual, servindo para saldar o carma da humanidade, que é a chamada “expiação dos pecados da humanidade”. O Bodhisatwa não sofre por si mesmo, ele enfrenta o carma coletivo para avançar sobre os limites humanos e abrir caminhos futuros. Parece pouco compreendido neste caso, que aquele que realmente se ilumina não é tanto o Buda em si, e sim o próprio Bodhisatwa. A condição de Buda é apenas um aperfeiçoamento das virtudes capitais do Bodhisatwa.

Após sobreviver às provações da iluminação, um Grande Iniciado seguirá avançando para as iniciações superiores, até alcançar a condição de Bodhisatwa aos 33 anos de idade, quando Maitreya resgatou as conquistas espirituais de sua encarnação anterior como Jesus. 

Neste percurso todo, ele pode desenvolver o completo passo a passo das técnicas da iniciação e logo da própria iluminação, com seus acabamentos como Adepto, Chohan e finalmente como Bodhisatwa, pela manifestação súbita de imensos conhecimentos perfeitos frutos de uma clarividência superior. Com tudo isto ele adquire um exímio conhecimento iniciático e restaura os verdadeiros cânones da Iniciação, compreendendo também a natureza dos passos seguintes da evolução humana e planetária. 

A biografia de Jesus coloca em destaque as duas idades finais deste ciclo que são 30 anos e 33 anos. Os biógrafos da época não sabiam na realidade o significado esotérico dessas datas, e fizeram suas próprias interpretações. 30 anos é a idade tradicional da crucificação, ou da quarta iniciação, ocorrida sob a Revolução de Saturno, e 33 anos é o momento em que o iniciado alcança a sua sétima iniciação, que corresponde à condição de Bodhisatwa que foi aquela que Jesus alcançou em sua encarnação palestina como vimos. 

Porém agora Maitreya vem dar continuidade a esta história divina, visando alcançar uma condição búdica. E com isto os desafios e as provações naturalmente também se renovarão, até onde Maitreya puder e desejar avançar.

2. A salvação das Almas

A Jornada Espiritual de um Buda pode ser precedida por grandes provações, como temos demonstrado em outros estudos, e que comparamos a autênticas experiências xamânicas de preparação e fortalecimento do espírito do candidato às Altas Iniciações. As iniciações verdadeiras também serão anunciadas e preparadas pelo despertar de uma grande vocação espiritual.

Assim, após ter seu grande despertar espiritual na aurora da vida adulta, Maitreya começará as suas iniciações, que poderiam são também associadas aos ashramas que são as etapas de vida da sociedade védica, apesar destas categorias também poderem se expressar noutras fases da vida.

A condição do Bodhisatwa coroa a jornada espiritual de sete iniciações do presente Sistema Solar, também chamado Plano Físico Cósmico no esoterismo. Portanto eles ainda integram as coisas deste nosso universo espiritual. 

Neste sentido, sabe-se que o trabalho do Bodhisatwa está relacionado à salvação das almas nos mundos do samsara. Tal coisa poderia ser relacionada às próprias iniciações sucessivas do Bodhisatwa, quando atravessa ele mesmo evoluções relacionadas a todos estes mundos, a saber:

1º grau: Infernos 

2º grau: Seres Famintos

3º grau: Animais

4º grau: Humanos 

5º grau: Guerreiros

6º grau: Paraíso

É impossível ignorar afinal de contas, que a estrutura onde o Bodhisatwa desenvolve a sua missão principal é idêntica aquela através da qual ele alcança a sua condição setenária, e neste caso o sétimo mundo seria o próprio mundo dos Bodhisatwas ou o paraíso Tushita. De certa forma o Bodhisatwa emerge assim como o núcleo de uma roda, talvez apenas menos poderosa que a dos Budas verdadeiros que reúnem mais energias e alcançam as massas de uma forma mais pronunciada.

Por haver atravessado todos estes degraus e jamais haver se aferrado a nenhum deles, o Bodhisatwa pode se comunicar com os seres que estão a eles presos na ilusão de se tratar o lugar onde se encontram alguma realidade definitiva e verdadeira.

Entre os mitos mais característicos do Bodhisatwa está o de Osíris que, além de retratar toda uma dinâmica de sacrifício e ressurreição, não obstante o seu destino vê-se limitado a manifestar a condição de Deus dos Mortos, quer dizer: o deus das Almas, ou mesmo aqueles que estão libertos das ilusões. O Bodhisatwa é responsável por habilitar o destino comum da humanidade segundo os seus méritos próprios, sendo portanto um deus salvador, muito semelhante portanto ao papel de Jesus Cristo.

Não casualmente neste contexto existe pois o tema do Juízo dos Mortos, da salvação das almas, dos infernos e do purgatório. Importa saber que tais questões apenas são tratadas com idoneidade neste contexto de Bodhisatwa por ser a ele inerente e natural; o místico comum e menos ainda o leigo, não possui a experiência completa dos mundos divinos e infernais para poder avaliar adequadamente tais realidades. 

A missão fundamental dos Bodhisatwas é portanto aquela de salvar as Almas, quer dizer; despertar as consciência, recolocando a humanidade nos caminhos corretos da religião e da espiritualidade. E para isto os verdadeiros caminhos de salvação necessitam ser ensinados, o que requer também o saneamento das falsas ideias sobre religião e espiritualidade. O Budismo identifica aqui seis reinos onde o Bodhisatwa deve atuar para remover estas ilusões, como vimos: o do inferno, dos fantasmas famintos, das bestas, de titãs ou asuras, dos humanos e o reino dos deuses.

Em primeiro lugar cabe observar que para exercer todo este trabalho o Bodhisatwa necessita transitar pessoal e soberanamente por todos estes reinos. Em sua ilusão e vaidade os habitantes destes reinos até julgam que o Bodhisatwa é também um habitante dos seus reinos por estar ele ali, quando na verdade a sua presença é meramente providencial e compassiva. Facilmente eles o rechaçariam ao identificar esta condição, como de fato muitas vezes acontece. Cada um destes reinos está caracterizado por paixões, apegos, ilusões e aversões, inclusive religiosos em alguns casos.

Porém o mais importante desta situação é que o Bodhisatwa não tem preconceitos, da mesma forma como Jesus conviveu com toda espécie de ser humano que aceitasse a sua presença. Por isto ele pode transitar livremente por todos os mundos, enquanto os habitantes destes reinos estavam como que presos a eles, em função de suas próprias ilusões, apegos e aversões.

Um leigo pode ser perfeitamente iludido pelas virtudes dos iogues, dos místicos e dos iniciados -o que certamente ajuda bastante para que estes decidam muitas vezes deter-se a comprazer plateias com seus dons. Um hatha-iogue pode realizar proezas imensas de controle do seu corpo físico. Um místico experiente é capaz de exalar atmosferas verdadeiramente celestiais. Um iniciado verdadeiro pode imantar plateias com seus conhecimentos profundos e carisma pessoal. E no entanto para um Bodhisatwa -que conhece perfeitamente as sombras comuns a estes degraus nas formas de luxúria, vaidade e arrogância, semelhante aos Três Venenos da mente de que fala o Budismo-, tudo isto ainda são simples estágios e quem se apega a tais conquistas estará limitando a própria evolução. Provavelmente a raiz desta doutrina está na famosa parábola sobre o Buda e os Sete Cegos.

Aos reinos superiores é ensinada então a necessidade de perseverar no dharma para que seus habitantes não decaiam e possam ao menos renascer em condições semelhantes ou melhores. E aos reinos inferiores é ensinada a importância de cultivar as virtudes para renascer em condições cada vez melhores. E a todos é sugerida que a Verdade está além de todo os reinos manifestos porque ela é a própria Liberdade.

3. Uma visão social

Não seria difícil associar estes seis reinos do Budismo a classes sociais, já que em certos casos as semelhanças são mesmo gritantes -ainda que uma abordagem social mais específica já possa remeter aos trabalhos dos Budas superiores e do Manus raciais. 

Partindo dos reinos superiores, o mundo dos deuses relaciona-se naturalmente aos sacerdotes e aos espiritualistas mais refinados; o mundo dos semideuses belicosos é a própria consciência da casta guerreira ou aristocrática, e o mundo dos seres humanos corresponde à chamada burguesia geralmente voltada ao comércio. Até aqui não parece haver muitos problemas, porém nos outros três reinos inferiores este tipo de análise torna-se bastante sensível. Na sequência teríamos o mundo dos animais, cuja associação seria com os proletários ou servidores; para tudo culminar com o mundo dos fantasmas famintos e o mundo dos Infernos, significando subcastas de párias ou proscritos relacionados a camadas muito carentes e até mesmo marginalizadas das sociedades.

Não deixa de ser curioso que os “animais” acham-se em situação melhor do que os fantasmas famintos e os seres infernais, sugerindo o quanto tudo isto contém de alegórico e, eventualmente também de distorções. Nas castas hindus os sudras não estão com efeito incluídos entre o “duas vezes-nascidos, talvez por se considerar que seus hábitos sejam algo “animalizados”.

Com efeito os “animais” como que destoam de um quadro que soa de resto completamente humano, mesmo no caso dos últimos reinos desgraçados. Por isto devemos tentar algumas pistas para pensar em setores da sociedade que, desde certo olhar exterior, poderiam comportar-se como animais porque vivem quase exclusivamente para satisfazer os seus instintos carnais, ou como zumbis famélicos porque só vivem para comer e finalmente como demônios porque se comprazem em fazer o mal e infringir as leis.

É certo que estas categorias sociais acham-se entre as mais oprimidas e injustiçadas. Acontece que as pessoais mais revoltadas com sua situação social imaginam frequentemente que elas nada tem a oferecer para o avanço das coisas, devendo apenas lutar para conquistar bons lugares como as classes melhor posicionadas. Porém tudo isto não passa de uma grande ilusão. Classes sociais de base econômica não são uma instituição que mereça ser mantida por si só. A verdadeira estrutura social deve ter bases espirituais e culturais.

Os Budas sempre trabalham para recuperar o verdadeiro significado espiritual das castas védicas, como parte importante de sua restauração do Dharma universal. Tratam-se tradicionalmente de classes culturais, e que na visão original remontam à primazia dos ashramas ou etapas-de-vida tradicionais, começando pela fase de estudante casto ou Brahmacharya internado num ashram ou centro espiritual donde a ênfase nos mosteiros pelo Budismo.

O Bodhisatwa instrui então todas estas categorias de muitas maneiras, mas é sobretudo pelo próprio exemplo que ele assinala os caminhos de libertação para todos os seres humanos. O Bodhisatwa é plenamente livre para estar onde ele quiser, acontece porém que ele transita pelos reinos para adquirir as informações necessárias mas não se apega a nenhum lugar. A sua jornada cósmica é infinita, por assim dizer, porque a sua aspiração íntima é desta mesma natureza. 

O Bodhisatwa tem em si todas as naturezas porque jamais se apegou a nenhuma e foi capaz assim de agregar sempre novas dimensões. A integridade dos Ensinamentos dos grandes Mestres deriva justamente desta universalidade. A jornada do Bodhisatwa é o caminho de um especialista completamente consagrado, capaz de renunciar não apenas ao mundo como também aos frutos de suas conquistas espirituais, a fim de prosseguir até alcançar os mais elevados propósitos.

Um Mestre possui o pragmatismo do proletário, o idealismo do burguês, a coragem do guerreiro e a pureza do sacerdote, além de conhecer intimamente também as penúrias dos perseguidos e dos injustiçados. Um Mestre autêntico não faz distinções e não olha para as aparências. Eis que Maitreya alcançou a excelência em cada uma de suas iniciações, como se fossem doutorados e pós-graduações em diferentes faculdades, orientado pelas mais Altas Esferas espirituais, e inclusive organizando com o passar dos anos grandes bibliotecas especializadas a fim de alcançar estes nobres propósitos.* Contudo ele jamais se deteve para colher os louros das suas conquistas.

O Bodhisatwa encontra então muitas situações para se aproximar destes reinos a partir de suas renúncias e das suas experiências e esforços espirituais, seja no decurso das suas preparações como depois de sua iluminação. O Bodhisatwa é conhecido como o renunciante por excelência, condição esta para iluminar-se sem tardança e se tornar oportunamente um Buda.

Naturalmente o Bodhisatwa também comporta elementos de identificação parcial com todos estes grupos, quiçá especialmente em seu período de preparação. Como renunciante ele é como um sacerdote sem templo, um nobre sem palácio e um burguês sem mercado. Mas também padece de todas as carências dos incompreendidos, dos desprovidos e dos marginalizados. Graças a toda esta complexidade de vida é que o iniciado poderá se tornar um Bodhisatwa, como alguém dotado com uma experiência de vida universal.

4. Cultivando Bodhicitta

O Bodhisatwa por excelência chama-se Avalokiteshwara, “aquele que olha por todos”, o que difere em muito do místico comum voltado para as suas próprias agremiações e castas. Por fim, é nesta mesma linha, em seu simbolismo maior de plenamente iluminado ele é apresentado como Lokeswara, aquele que tem mil mãos para auxiliar a humanidade.

O mistério do Duplo-Chenrezig (que é o nome tibetano do Bodhisatwa Avalokiteshwara) ilustra justamente esta transição entre as iniciações humanas e as iluminações hierárquicas. Até a terceira iniciação o aspirante evolui linearmente, por assim dizer, dentro dos chamados “Três Mundos de Esforços Humanos”. O Chenrezig sentado ou contemplativo ilustra esta fase de trabalhos preliminares. 

O pronunciado espírito de serviço e de renúncia movido pela compaixão (simbolizado pelo lótus na mão esquerda de Chenrezig) e a prontidão geradora de um timing adequado de evolução (simbolizado pelo japamala na mão direita de Chenrezig), é que permitem ao aspirante encarnar inicialmente o arquétipo do Bodhisatwa, sob a manifestação do ritmo tântrico dual que nutre as correntes de Kundalini, ou do perfeito equilíbrio dialético simbolizado pela jóia no lótus (que é a bodhicita ou mente compassiva, uma realidade com importantes dimensões esotéricas ou ocultistas também) que constitui o mantra da iluminação (representado pelo coração-de-cristal abrigado pelas mãos centrais de Chenrezig).

Porém na terceira iniciação acontece uma mágica porque um circuito energético fecha-se, simbolizado no fato do triângulo ser a primeira forma constituída do Universo. A partir dali começam então os alinhamentos tríplices que resultam em iluminações. O Chenrezig ereto ou Lokeswara demonstra este quadro, pois suas onze cabeças são como chakras. Tal como na Árvore Sefirótica da Cabala, existem três triângulos em alusão às iniciações hierárquicas da Tríade Superior, para tudo culminar na última esfera alusiva à sétima iniciação de Bodhisatwa, que é uma transição entre a esfera hierárquica (também denominará siríaca) e a esfera propriamente búdica ou divina.

 Observe que até mesmo a misteriosa esfera Daath está representada no tema budista através da imagem de uma cabeça intermediária negra de Heruka para indicar o conhecimento oculto.

5. A expiação dos pecados 

O Bodhisatwa é ele mesmo o símbolo do “morto” para esta vida apesar de nela se encontrar. E tal coisa também transparece nos padecimentos a que se sujeita em prol da expiação dos pecados da humanidade. 


Neste sentido, o simbolismo (realista) do Buda deitado representa uma das poses mais conhecidas de Buda na arte budista. Tal imagem também é conhecido como Buda Reclinado ou Nirvana Buda, representando convencionalmente o Buda histórico nos seus últimos momentos de vida. No entanto, à luz das religiões comparadas, podemos descobrir que o significado desta postura do Buda pode ser muito mais rica do que se imagina comumente, outorgando novos e maiores sentidos ao tema.

Com efeito permite até mesmo precisar certos conceitos. O vínculo entre a morte e a iluminação representa um adendo algo artificial da hermenêutica budista. A imagem do Buda prostrado deveria ser mais evocativa -e apenas para tomar aqui um êmulo histórico- da sepultura transitória de Jesus até a sua ressurreição. 

Outra imagem muito eloquente para esta situação seria aquela de Odin dependurado da árvore de iluminação e registrando as Runas sagradas, algo que confronta diretamente a falácia de que os avatares não escrevem. Com efeito escrever se torna praticamente a única forma de comunicação dos Mestres nesta fase inicial de revelações a que tem acesso. A famosa lápide maia de Pacal Votan ilustra novamente o quadro de um iniciado afixado em sua Árvore de Iluminação, tal como se afirma igualmente suceder a todos os Budas, e que corresponde da mesma forma a uma Câmara de Registros. A própria lápide de Pacal representa uma poderosa síntese destes registros sagrados, contendo elementos simbólicos sobre as energias divinas e muitas datações calendáricas. Naturalmente cada cultura desenvolve a sua própria forma de registro de informações sagradas e fundacionais.

6. Religião & Astrologia

Maitreya é hoje conhecido como o grande residente no céu de Tushita em sua condição de Bodhisatwa à espera de sua próxima encarnação como Buda. Na sua última encarnação ele teria sido Jesus Cristo -ver sobre isto em nosso estudo intitulado “A Missão de Maitreya -  a Revelação”- , regente espiritual da Era de Peixes, posto que as Eras astrológicas são ciclos regidos pelos Bodhisatwas.

Em termos astrológicos a missão do Bodhisatwa está relacionada à reger as Eras astrológicas. Considerando o caráter psíquico do zodíaco, o trabalho do dharma deve ser libertar o mundo das ilusões zodiacais. Na prática este quadro corresponde à formação das religiões, daí o simbolismo astrológico comum nas religiões do mundo.

A energia psíquica dominante pode ser considerada então uma força destrutiva que carrega a humanidade no seu bojo para alguma direção caótica. A missão do Bodhisatwa é identificar precocemente esta tendência e propor fórmulas para a humanidade conseguir contorná-las através da criação de egrégoras positivas capazes de transformar o caos em ordem.

O caminho para isto é basicamente aquele de prover o equilíbrio das correntes. Assim na Era de Áries regida pelo Elemento Fogo, o Avatar demonstrou a necessidade das pessoas lutarem também contra os próprios impulsos internos e não somente contra o suposto adversário exterior. E em seguida, na Era de Peixes regida pelo Elemento Água, o Messias ensinou que as pessoas não deveriam entregar-se meramente à contemplação e à displicência, sem limitar-se pois à fé e à esperança, mas tratando de organizar o mundo com justiça e caridade. Tal como na Era de Aquário que agora começa com seu Elemento Ar, as pessoas serão orientadas no sentido de selecionar as informações e cuidar de suas mentes para não serem manipuladas pelos meios de comunicação de massas. O conhecimento deverá ser valorizado como base para uma superior realização espiritual e humana, porém cabe checar a idoneidade das fontes para ver o quanto bebem em verdadeiras tradições e sobretudo quando à sua originalidade, quer dizer, a proximidade com os mananciais primeiros da Sabedoria Universal.

Mais uma vez, Maitreya ensina aqui pelo exemplo. A busca da Verdade pode ser considerada um ícone sagrado da Nova Era, uma vez que o conhecimento representa uma aspiração natural na Era de Aquarius. E neste caso o conhecimento necessita ser muito bem fundamentado para conduzir na direção que realmente se necessita. O Kalki Avatar também é apresentado como um apóstolo supremo da Verdade, até porque sua tarefa é aquela de encerrar o Kali Yuga e inaugurar o Satya Yuga ou Idade da verdade.

Tudo isto representa portanto o trabalho de Maitreya em sua etapa como Bodhisatwa, atravessando também tais fases avançadas para alcançar a sua nova condição de Buda, pela qual a promessa de salvação já poderá ser emitida em favor do mundo como um todo e da existência humana na sua plenitude plenitude -e que será tema do nosso próximo estudo.


* Segundo os relatos da famosa obra “Os Mestres e a Senda” de C. W. Leadbeater, os Mestres possuem grandes bibliotecas em suas cavernas ocultas nos Himalaias. Recentemente tem se descoberto com efeito enormes bibliotecas secretas que haviam sido metodicamente ocultadas pelos monges diante da devastação que os chineses fanatizados realizaram no Tibet após a sua revolução comunista. 


Para saber mais

A Lenda do Kalki Avatar

Maitreya e o Xamanismo

Maitreya e a experiência Serpentina

Kalki e Padma - um encontro cósmico

A Missão de Maitreya - a revelação

A Iluminação de Maitreya

Quem é o Maitreya aguardado

Maitreya - tornando-se um Buda

Sobre o Autor

Luís A. W. Salvi (LAWS) é estudioso dos Mistérios Antigos há mais de 50 anos. Especialista nas Filosofias do Tempo e no Esoterismo Prático, desenvolve trabalhos também nas áreas do Perenialismo, da Psicologia Profunda, da Antropologia Esotérica, da Sociologia Holística e outros. Tem publicado já dezenas de obras pelo Editorial Agartha, além de manter o Canal Agartha wTV 


O filho do Buda


Raramente se fala sobre o filho que teve o Buda com Yasodhara, apesar do tema ser de amplo conhecimento. Passado tanto tempo dos eventos em questão, pouco se saberia realmente como tudo sucedeu. Neste estudo tampouco iremos tratar muito deste filho em si (ou filha segundo algumas versões), pois sua personalidade jamais adquiriu verdadeira relevância própria, e sim das circunstâncias em que nasceu, nos termos dos usos e costumes da época ou mesmo na sua ausência, tal como o que isto pode haver significado para o príncipe Sidarta, determinando de todo modo o destino da criança e em parte também o de seu jovem pai.

O tema da renúncia do Buda suscita fortes tabus na sociedade e tem inspirado interpretações nem sempre fidedignas. Apesar das circunstâncias do nascimento do filho do Buda seguido do divórcio poderem parecer meramente um triste incidente, tudo isto integraria na verdade um quadro bastante mais complexo envolvendo por um lado grandes confabulações para enredar Sidarta nas teias mundanas, mas servindo também de testemunho sobre a determinação inabalável de Gautama em perseguir o seu verdadeiro destino, a despeito de todos os desafios e tentações que possam aparecer em seu caminho, mesmo os instintos mais poderosos que possam existir na humanidade como são aqueles que envolvem os filhos.

O presente tema envolve portanto muito mais os alicerces morais da missão dos Budas do que propriamente as suas realizações espirituais, desvelando o permanente foco de tensões existentes entre a moral comum e a ética profunda da verdadeira espiritualidade.

O presente estudo oportuniza tratar de aspectos importantes desconhecidos da biografia do Buda histórico, projetando várias luzes sobre episódios todavia obscuros da vida de Gautama. Informaremos ademais sobre a existência da existência de versões biográficas distintas no mundo oriental com certa divulgação na mídia mundial.

Poderia até parecer muito difícil reconstituir os detalhes destes acontecimentos passados mais de vinte e cinco séculos, e no entanto é possível analisar, comparar e sintetizar informações. Novos dados têm sido levantados com o avanço das pesquisas históricas, e além disto as pessoas nunca mudam muito na sua essência no final das contas, por mais que os costumes possam se transformar externamente. 

Este estudo tem como objetivo primeiro lançar luz sobre a Biografia oculta do Buda Gautama e, por extensão, dos Budas em geral, uma vez que vários são os acontecimentos comuns entre as Biografias avatáricas. Estes pontos em comum não representam exatamente “plágios” como por vezes se quer imaginar, porque o principal título do Buda que é Tathagatha, significando “Aquele que é como o anterior”. Esta similitude com efeito pode alcançar até mesmo detalhes, simplesmente porque a própria humanidade segue padrões recorrentes de conduta, e a espiritualidade também determina certos padrões para colocar os seus mecanismos em movimento.

A manifestação do novo Buda Maitreya, permite projetar uma luz definitiva sobre muitas questões todavia obscuras, tornando possível rever com muita fidelidade praticamente todo o ocorrido então.

1. O Reino

É da tradição afirmar que Sudodana fora rei e Sidarta um príncipe. Estudos contemporâneos demonstram porém que a condição principesca de Sidarta não passa de um mito criado por seus seguidores para impactar melhor a opinião pública a respeito da sua condição de vida. 

Seu pai teria sido apenas a liderança de um clã do Sul do Nepal, chamado Sakya, subordinado porém a verdadeiros Reinos da época centralizados na Índia. E na verdade Sidarta foi apenas o primogênito do Patriarca, recaindo sobre ele então as expectativas da sucessão. 

Sudodana vinha de uma casa humilde e desejava agradar a sua esposa Maya a quem muito amava e admirava. Maya era uma mulher culta que recebera uma educação nobre. No entanto aceitara abdicar de uma projeção social para apoiar os interesses econômicos do esposo, a fim de organizarem o seu lar e começarem a ter os seus filhos que Sudodana desejava, uma empresa que tardará não menos do que oito anos de esforços.

Os pais de Sidarta estavam pois obcecados com a ideia da estabilidade e da sucessão, para não perderem os privilégios de que gozavam diante da Coroa e contra os seus rivais na região. Desnecessário dizer que neste cenário arrivista financeiro, a vontade dos filhos naturalmente encontra pouco espaço.

Uma profecia porém ameaçou os planos de Sudodana, ao mesmo tempo em que exaltou as suas esperanças. Conta-se que depois que Sidarta nasceu, um sábio ancião foi visitar o bebê, o qual surpreende o sábio ao colocar o seu pequeno pé na cabeça do ancião. Sudhodana interpretou aquilo como um sinal de soberania do pequeno Sidarta. Talvez com isto o sábio tenha resolvido deixar uma mensagem para o soberano, demonstrando que nem tudo está assim tão sob o seu controle como gostaria de imaginar.

Pegando o pezinho do bebê, Asita declara ver nele os sinais sagrados de um Buda; ajoelhoa-se e faz uma reverência ao pequeno anunciando-lhe o futuro glorioso de um grande rei. No entanto declara não saber se Gautama seria um rei temporal ou um rei espiritual. Tudo iria depender de Sidarta não ter conhecimento de sofrimentos no mundo. 

Sudodana viu nesta profecia tanto uma oportunidade quanto uma ameaça. Tudo deveria ser feito portanto para direcionar as coisas para onde ele achava dever. A verdadeira intenção de Asita era admoestar Sudodana a cuidar bem de todos aqueles que estavam sob o seu comando. No entanto o nobre rei preferiu optar por alienar o filho dos problemas do mundo. 

O jovem Gautama já tinha atravessado muitas dificuldades em sua vida familiar, e até por isto tinha a tendência de aspirar pela paz da vida espiritual. Sudhodana não era o que se poderia chamar de um homem esclarecido, e seu lar um local de tensões e de conflitos. A rainha Maya até tinha uma boa índole, mas também carregava os seus problemas pessoais e era muito influenciada pelo esposo.

Não obstante, talvez o destino já estivesse traçado então. O teor real que envolve a família de Sudodana seria na verdade bem mais simbólico e espiritual, uma vez que sua região integrava aspectos de geografia sagrada e de astrologia espiritual tradicionais em relação ao nascimento dos budas e avatares. É por esta razão que os mitos orientais associam a vinda do Kalki Avatar -que corresponde ao mesmo Maitreya- ao reino de Shambhala. 

2. O casamento

Vimos que quando Gautama nasceu, profecias foram feitas por videntes sobre o seu eventual destino espiritual. Isto porém preocupou seu pai, o rei Sudodana, quem tinha outros planos para o seu primogênito. O severo rei temia que o príncipe se aproximasse de qualquer coisa que pudesse despertar a sua vocação espiritual, vindo a criar então um ambiente artificial de perfeita felicidade à sua volta. Aconteceu também que, segundo reza a tradição, “quando chegou a idade de 16 anos, seu pai arranjou-lhe um casamento com uma prima da mesma idade chamada Yasodhara”, uma vez que nesta altura Gautama já começava a manifestar sinais da sua vocação espiritual. 

Segundo “fontes internas”, Gautama até manifestara precocemente as suas inclinações espirituais, acendendo o alerta no seu pai que passa a fazer de tudo para tentar redirecioná-lo para os seus próprios interesses.

Um casamento com alguém da mesma idade não é ruim em si mesmo, porém tampouco seria habitual na Índia, onde os homens costumam ser mais velhos. Como regra os jovens casais são prometidos entre si precocemente, porém apenas mais tarde é que se casam realmente. Na tradição social da Índia os jovens dwijas ou “duas vezes nascidos” são inicialmente destinados para ashrams a fim de estudar e receber treinamento espiritual, para depois sim casarem-se. As meninas seguem porém em casa recebendo treinamentos domésticos até se casarem, quando o esposo assume o papel de guru e de sacerdote doméstico. 

De modo que aos homens sempre foram dadas maiores oportunidades de viver a sua liberdade e acumular experiências, e sobretudo desenvolver as etapas-de-vida regulares da sociedade védica, como prova da sua condição de nobreza espiritual, pois de outra forma terminariam equiparando-se aos sudras ou servidores. Deste modo, em termos objetivos na educação de Gautama não foi respeitado o primeiro ashrama ou etapa-de-vida de Brahmacharya ou de estudante casto ao qual todo hindu de casta superior tem direito, com medo de que desta forma Sidarta pudesse sentir a sua vocação espiritual despertar e assim passar a dedicar-se exclusivamente às coisas do espírito, quiçá jamais vindo a casar-se e menos ainda a assumir outras responsabilidades “do interesse do reino”. No entanto, consta que mesmo assim a vocação de Sidarta o premia na direção da espiritualidade, a partir dos inevitáveis contatos que a família tinha com a religião (aos quais muito desagradavam Sudodana) e também através de parentes religiosos como eram os próprios avós, que por vezes contavam histórias de religião para o pequeno Sidarta e até lhe haviam presenteado livros religioso sem que os pais de Sidarta soubesse.

Se Gautama fosse mesmo casado com a mesma idade com que se costuma casar as meninas na Índia, que é na adolescência e até na infância, esta atitude selaria de todo modo uma tripla humilhação a Sidarta, a saber: enquanto ser humano, enquanto homem e enquanto nobre.

São famosos na Índia os tais “matrimônios arranjados” pelos pais dos jovens, o que por vezes já pode trazer bastante tristeza, porém neste caso as coisas seriam levadas um tanto além. De certa forma, Sidarta teria sido induzido pela própria família a envolver-se com a prima, pois seus pais teriam apoiado as intenções da menina de aproximar-se de Gautama, trazendo-a regularmente para dentro do ambiente familiar de forma inusual. Como parente que era, Yasodhara já tinha familiaridade com a casa. Bastou então aos pais de Sidarta incrementarem o seu acesso e finalmente arranjarem o casamento, quiçá até mesmo a partir de “fatos consumados” para não poder haver contestação legal ou moral, como de fato parece haver acontecido. Tal conspiração doméstica -da qual a Rainha Maya não tinha todavia muita noção-, integrava e estava no cerne dos grandes esforços de Sudodana de alienar Gautama das realidades do mundo.

Consta que o futuro Buda teria inclusive pedido várias vezes para a menina se afastar dele, porque ele desejava preservar a sua castidade. Apesar de ser um homem virgem, Sidarta acreditava no celibato por fé própria e assim desejava permanecer. Porém a menina sempre encontrava a porta aberta para retornar, apenas porque a família assim o queria. Ela começou a ser convidada até mesmo aos passeios familiares, incluindo acampamentos e viagens, cuja frequência estranhamente aumentou no período. 

O assédio que a menina exercia sobre Sidarta era torturante, não faltando sequer chantagens emocionais. Sidarta infelizmente não tinha malícia suficiente para suspeitar de algum ardil secreto contra a sua latente vocação espiritual. Este seria afinal um comportamento de todo oposto ao normal, quando os pais tratam de zelar pela inocência dos filhos até a hora certa. 

A certa altura Sidarta havia tido um grande despertar espiritual, e a partir dali se tornara um jovem extremamente feliz e eufórico com estas revelações em sua vida. Estes dias ficariam guardados na sua memória como uma espécie de paraíso perdido. Quando ele finalmente foi levado a unir-se à jovem que o assediava, passou a sentir-se um verdadeiro caído, sofrendo de confusão e sentimento de culpa. E quando a jovem engravidou então -o que nada tardaria a acontecer-, ele nem por um momento pensou em outra coisa que não assumir a situação e casar. No entanto todos os seus esforços foram malogrados, e o divórcio tornou-se inevitável.

Alertado por amigos de que poderia estar dando um passo a falso, Gautama chega a declarar a Sudhodana não desejar mais casar. Porém este responde que já havia se comprometido com a família de Yashodara e que portanto a sua palavra deveria ser mantida. Sudhodana realmente desejava atar Sidarta através do casamento, independentemente de qualquer coisa mais.

3. O Nascimento

As cronologias que cercam as etapas da vida do Buda são muitas vezes incertas, dúbias e sobretudo ilógicas e polêmicas. As Biografia correntes afirmam que o filho de Gautama e Yasodhara nasceu quando eles tinham 28 anos de idade. Isto significaria que eles teriam esperado nada menos do que doze anos para ter Rahula, o que soa completamente absurdo. 

É totalmente ilógico Gautama não procriar por doze anos quando tentaram lhe prometer uma vida de prazeres e satisfações. Como também é pueril pretender que um homem permaneça quase trinta anos na absoluta ignorância das realidades negativas da vida. Todo o cenário chega a ser absurdo em suas contradições: Gautama esperaria doze anos para ter um filho, e quando este finalmente nasce o pai decide abandoná-lo. Chega a sugerir que Sidarta estaria meramente fugindo da sua responsabilidade, o que não deve porém se imaginar.

Felizmente também existem biografias budistas alternativas, segundo as quais o príncipe Sidarta na verdade deixou a sua casa aos dezoito anos de idade, o que já faz todo o sentido quando se fala que Rahula tinha apenas um ano quando seu pai saiu de casa, uma vez que nascera quando seus jovens pais recém eram ainda adolescentes. A versão da biografia do Buda comunicada na obra de Ikeda “O Buda Vivo” surge como uma espécie de versão alternativa e esotérica remanescente através dos tempos.

Tudo isto significa também que o futuro Buda foi cruelmente envolvido numa trama doméstica de compromissos morais e sociais, apenas para impedi-lo de pensar mais seriamente em espiritualidade. Para sinalizar o simbolismo do propósito nocivo deste nascimento, o nome Rahula significa "amarras". Os pais de Gautama desejaram meramente amarrá-lo a compromissos através do nascimento de filhos, pois julgavam que chegado a este ponto o jovem já não teria coragem de pensar em voltar atrás, uma vez que o próprio amor paterno falaria mais alto, selando assim o seu destino para sempre.

Contudo o destino aguardava outros caminhos para Gautama. Para a mentalidade laica certas atitudes dos iniciados podem soar chocantes. Apesar de ser recitado por muitos, raros são aqueles que realmente respeitam o Primeiro Mandamento de “amar a Deus sobre todas as coisas” e até consideram tal atitude incompreensível. No entanto, esta situação é comum nas religiões, e não outra coisa é que foi retratado no símbolo da ameaça de Abrahão de sacrificar o seu próprio filho. Para amenizar as coisas, alguns biógrafos do Buda trataram de postergar as suas iniciativas espirituais, gerando não obstante várias incoerências lógicas. 

Após o nascimento de Rahula sua mãe Yasodhara torna-se uma criatura difícil de conviver. A menina não apenas era muito jovem e imatura como também possuía uma personalidade volúvel e inconstante, sentindo-se contudo apoiada pelos pais de Sidarta. Ela também começou ser influenciada pelos ambientes profanos a que frequentava em seus estudos por incentivo dos seus pais, trazendo para dentro do lar de Gautama energias bastante vulgares e negativas. Vendo instalar-se uma crise na sua jovem família, Sidarta solicita aos seus sogros apenas um ano de jubileu, para ele e Yasodhara irem com Rahula viver numa casa de campo a fim de que pudessem harmonizar-se entre si, longe das influências mundanas. Não obstante esta medida também lhes foi negada. 

Acontece que os pais de Yasodhara também ficaram muito decepcionados com ela e estavam determinados que ela tivesse uma profissão e não fosse influenciada por Sidarta. Com efeito ao contrário dos pais de Sidarta, eles sequer haviam aprovado o casamento de sua filha. Os pais de Yasodhara simplesmente não estavam interessados naquele casamento que ameaçava tornar a sua filha também desinteressada pelo mundo. 

E com isto Sidarta já pouco pode fazer do que preparar o seu divórcio com Yasodhara. Seus mundos eram definitivamente irreconciliáveis. Com o divórcio Yashodhara também se apartara da casa de Sudodana, passando a receber uma ajuda dos avós para Rahula.

Nesta altura Gautama ainda não tinha planos para si mesmo. Naturalmente ele amava o pequeno filho e esperava ao menos conseguir influenciá-lo e tê-lo por perto. Não obstante com o divórcio os pais de Yashodhara assumem a guarda de Rahula liberando Yashodhara para estudar longe. Por sua vez, os próprios pais de Gautama como que adotaram informalmente Rahula, passando a tratá-lo como um novo filho, dando-lhe todos os tipos de mimo e levando-lhe por caminhos que Sidarta não aprovava. 

A depender dos pais de Yasodhara o clã Sakya nunca mais veria Rahula. Contudo Yasodhara convenceu os seus pais que poderia ser bom para o menino o convívio com os avós paternos dada as boas condições financeiras de que gozavam. Não seria portanto nenhum exagero dizer que os pais de Sidarta o substituíram psicologicamente por seu filho Rahula, transferindo também para ele os recursos com que antes gastavam com Gautama.

4. A Decisão

Com isto Gautama não tinha mais recursos econômicos para tentar impor a sua própria vontade, pois há algum tempo as suas poucas mesadas haviam sido praticamente cortadas. Tudo isto representou um tiro-de-misericórdia em suas esperanças de ter alguma influência sobre os destinos de Rahula. Sua paternidade estava sendo assim castrada na raiz.

Com isto Sidarta deprimido sente-se completamente à deriva na vida. E começa a buscar novos caminhos para buscar confortar o seu coração.

Sidarta recém entrava na sua vida adulta então, e seu espírito estava inteiramente voltado para a espiritualidade. Houvera manifestado mesmo assim boa vontade para tentar ajustar-se ao casamento. Porém ele simplesmente não podia lutar contra todo o universo e nem mudar radicalmente os rumos que a sua alma desejava. Sequer podemos dizer que Sidarta teve muitas opções. 

E é aqui talvez que devamos focalizar o grande cerne de toda esta questão, ou seja: nas opções que Sidarta realizou naquela altura. Gautama poderia ter tudo no mundo material caso acatasse as suas regras. Seus pais não economizariam esforços para apoiá-lo. O seu filho estava sendo usado de algum modo para puni-lo ou para pressioná-lo a rever os seus caminhos. Contudo ele também tinha a sua vocação espiritual para honrar e fez a sua opção.

Esta é uma prova clássica destinada também aos patriarcas das nações, como sucedeu a Abrahão através do sacrifício simbólico de seu filho único Isaaque. Quando Abrahão consegue provar a sua obediência, a criança é automaticamente poupada. 

Apesar deste assunto todo resultar polêmico aos olhos do mundo, o qual seria até capaz de tentar relativizar as virtudes e as opções de um renunciante, o tema permanece como estandarte e um libelo em favor da primazia da opção pelo Espírito enquan-to realidade maior. Gautama estava inteiramente certo em priorizar a espiritualidade. Eventualmente ele até poderia reunir outras dimensões da existência sob o guarda-chuva do Espírito, não necessariamente nos termos como Sudodana poderia sonhar. 

Aqui temos ademais um importante diferencial entre o homem e a mulher. Uma mulher dificilmente se afastaria do seu filho, e as razões são muitas. Inicialmente pelo próprio apego pessoal à pequena criatura, depois pelo fato da sociedade apoiar esta relação tão importante para a criança, e por fim porque -diretamente relacionado ao anterior- a sociedade veria com muitos maus olhos tal afastamento. Portanto seria praticamente impossível a uma mulher superar tal provação, entre outras quiçá tão árduas ou mais do que estas que também existem nos Caminhos da Iniciação.

Este é portanto o primeiro grande ensinamento sobre a natureza dos Grandes Mestres. A renúncia dos grandes iniciados vai bem além de abdicar de uma vida de luxos e de prazeres, tal como de poder e de prestígio, que o destino naturalmente lhe proporcionou -algo que todavia já filtraria 90% da humanidade. Esta renúncia inclui também resignar-se a abrir mão de uma família pessoal e amargar as dores da perda, sem qualquer culposidade pessoal. Trata-se portanto do primeiro grande sacrifício a ser enfrentado por aqueles que almejam colocar o serviço à humanidade em primeiríssimo lugar.

5. A Iluminação

Não deveríamos precisar dizer o quanto tudo isto perturbou a consciência do jovem Gautama, como o seu senso de moral foi abalado e o quanto o sentido de culpa -por menos que de fato a possuísse- o premiu por levar muito a sério os seus esforços de vida espiritual. Nos Evangelhos Jesus traça caminhos para os divorciados no sentido de se consagrarem seriamente a Deus, e Sidarta saberia disto por simples sentido interno de retidão moral.

Considerando-se que, regra geral, quase não pode haver crise maior do que o divórcio no mundo dos mortais -computa-se normalmente como um stress inferior apenas ao da guerra-, todos os outros sacrifícios parecerão daí menores. O afastamento dos filhos abala como nada alguém psicologicamente, e se a pessoa não tem um norte bem definido pode até enlouquecer, entrar em depressão ou enfermar-se. Como os despertados por Deus tem uma meta importante em vista, esta sensível perda pode lhes conferir uma determinação de seguir os seus objetivos com especial seriedade.

A partir disto Gautama passa a viver uma verdadeira “noite negra da alma”, de depressão, revolta e angústia velada. Decide passar a viver em ashrams e mosteiros realizando austeridades, inicialmente nas redondezas de sua cidade, e depois mais afastados, passando por fim a pregar os seus conhecimentos de forma errante. 

Segundo conta a lenda, quando Rahula cresce sua mãe pede para que dirija-se até o Buda a fim de solicitar-lhe heranças. Este porém já nada tendo, apenas convida o filho para unir-se a ele, e assim Rahula também realiza os seus votos.

Sudodana tampouco teria ignorado o seu filho mesmo depois da iluminação de Gautama, diz a lenda, sempre tentando que regressasse ao lar. Todos os mensageiros que Sudodana enviou foram contudo igualmente convertidos pelo Buda. Passados alguns anos Gautama regressa por fim ao lar paterno para pregar ao seu pai que então aceita os ensinamentos tornando-se um Bodhisatwa segundo reza a Tradição piedosa budista.

Pois bem, nesta situação de Sudhodana insistir na volta de Gautama e este finalmente aceitar, tem-se reminiscências dos primeiros anos de buscas de Maitreya em ashrams e em viagens mais ou menos errantes pela Índia, todavia antes da sua grande iluminação, pois esta ocorrerá isto sim após Sidarta retornar ao seio familiar.

Acontece que a família de Gautama, observando que ele estava indo cada vez mais longe, e que havia aprendido a se virar sozinho, decide convidá-lo então para regressar ao seu seio, temendo quiçá que ele eventualmente desaparecesse no mundo e nunca mais se tivesse notícias dele.

Sidarta decide retorna então ao convívio familiar, considerando se tratar de um convite praticamente incondicional. Pois nesta altura ele também desejava casar-se verdadeiramente, ter uma oportunidade real de constituir um lar ou pelo menos encontrar um amor para si. A família de Sidarta tinha propriedades em diferentes locais, inclusive rurais, que ele poderia eventualmente usufruir para isto. 

E assim Sidarta retoma certa “normalidade” voltando a conhecer outras mulheres em sua vida. A próprio ideia de que Gautama e Yasodhara tinham a mesma idade, pode estar ligada a outras relações importantes que Sidarta teria nesta altura.

Nada disto o impediria de seguir as suas práticas e até de passar a viver processos cada vez mais intensos, pois já houvera dado bons avanços nos anos em que praticara as suas famosas austeridades. 

Até que finalmente se ilumina aos 29 anos de idade, que é a idade-padrão de iluminação dos avatares, e também com a finalidade de sobreviver às provações normalmente fatais do grau de Arhat. Longos foram os padecimentos subsequentes de Sidarta, e nisto ele teve que contar com o apoio resignado da família, pois por muito tempo ele pouco mais poderia fazer do que lutar para sobreviver. 

Sidarta já havia realizado austeridades sob as mais diferentes circunstâncias, e de forma também mais ou menos prolongada, inclusive com ajuda ou a participação de terceiros. Porém agora os seus padecimentos serão bem mais longos e intensos, de modo que não haveria muitas alternativas senão contar com o apoio da própria família de uma forma mais sistemática. Não se trata obviamente de algo que ele planejou, apenas calhou de acontecer desta maneira.

Eis que após a crise de iluminação do Buda, seu pai aproveitou para dar-lhe finalmente bens, pretendendo uma vez mais que ele tivesse uma vida mais próxima do normal, e de fato Maitreya conhece novas parceiras e tem outros filhos. 

A exemplo daquilo que aconteceu nos registros sobre Jesus, os biógrafos do Buda também consideraram muito complicado tratar dos detalhes sobre os seus relacionamentos com mulheres. Para eles bastou mencionar Yasodhara num suposto contexto de renúncia voluntária para passar uma ideia puritana de Gautama. Todo o resto poderia causar confusão. Esse era um pensamento comum dentro da espiritualidade negativa, divisionista e contemplativa da Era de Peixes.

Pelas mesmas razões pouco se falou dos filhos que os Avatares puderam ter tido, tudo isto para apresentar uma imagem distante e mistificada de suas existências. Krishna teve tantas esposas sem ter filhos?! Improvável. Sobre Jesus restaram apenas algumas lendas tardias relacionadas à interpretações sobre o Santo Graal. Acontece que, para as ordens religiosas o tema da progenitura dos grandes Mestres sempre representa uma situação constrangedora, porque pode conflituar com a autoridade espiritual baseada puramente no trabalho dos Mestres.

Outra razões da forte “lavagem moral” sofrida pela biografia do Buda (sem ônus moral para este naturalmente), estaria na intenção de incrementar o monasticismo que desde cedo caracterizaram as práticas budistas, ainda que desde então tem florescido também as crenças laicas da Terra Pura. Seguramente a organização das biografias budistas passaram muito pelo crivo particular das ordens responsáveis por elas, em especial o próprio Theravada enquanto corrente mais antiga e com nítido perfil monástico.

Paradoxalmente Buda e Jesus também estiveram em mosteiros, porém considerou-se inapropriado reconhecer que outras ordens poderiam ter tido a sua importância na formação do seu pensamento, por mais evidente que isto pudesse soar. Quando os biógrafos consideram que alguma informação é inoportuna mas não querem mentir a respeito, tratam pelo menos de omitir tal informação, daí temos as tantas lacunas, contradições e simplificações presentes nas biografias avatáricas. 

Esta nova fase familiar de Gautama duraria uns 14 anos, quando outras crises na família e novas missões levaram o Buda a renunciar novamente a tudo e retornar às suas peregrinações. Nesta altura Gautama já era um Bodhisatwa perfeito transitando soberanamente pelos mundos do samsara. Sidarta chegara a isto trocando uma vida de luxo por disciplinas e austeridades até alcançar a sua iluminação. Contudo esta nova renúncia lhe proje-taria a uma verdadeira condição de Buda, permitindo à sua consciência abarcar também as grandes realidades planetárias com plena envergadura, e com isto alcançar finalmente todos os seus superiores objetivos. Não obstante este já seria tema para um outro estudo.

Até por isto nunca acontecerá uma reconciliação formal entre Sidarta e Sudodana. Sua mãe Maya, porém apesar de também incomodada com tudo isto, sempre deu o seu apoio naquilo que pode reconhecendo a sinceridade da vocação espiritual do filho. 

Por anos a família ainda manteve a esperança de que Gautama conseguisse se posicionar social e economicamente. Porém com as grandes crises de saúde que vieram em sua iluminação, a situação mostrou-se bastante incerta. Como vimos Sidarta se ilumina sob o amparo involuntário da família, pois ele não teria mesmo outras alternativas. Aqueles que imaginam que a iluminação é apenas um mar de rosas, também ignoram o que é a verdadeira iluminação e estão confundindo com conquistas menores. Largo é o testemunho da grandeza deste desafio, porém muito esforço tem sido feito também para minimizá-lo. 

Com efeito essa situação ensejaria a oportunidade de tratar de uma grande lacuna da biografia do Buda, naquilo que diz respeito aos detalhes dos acontecimentos da sua iluminação, que geralmente envolve acontecimentos muito complexos, mas que são tratados geralmente de maneira tão somente elíptica e simbólica, como sucede em torno da questão da árvore sagrada da iluminação cercada pelas tentações e ameaças que recebeu o Buda. 

A visão de iluminação que terminou sendo atribuída ao Buda seria meramente aquela superficial dos místicos, e não a verdadeira iluminação ocultista com seus efeitos transcendentais sobre o indivíduo e até mesmo toda a atmosfera do planeta. Acontece então que toda a biografia do Buda foi reconstruída a partir de visões menores visando ajustar-se na medida do possível aos tabus sociais vigentes. Em função disto, por muito tempo várias versões concorreram entre si, até que se criaram os cânones pali quase quinhentos anos após a morte do Buda, provavelmente para atenuar as predições do Buda de que por esta época o Dharma já terminaria por se perder. Esta biografia “oficial” do Buda resulta porém extremamente minimalista e estereotipada, sujeita a reducionismos, distorções e simplificações.

6. Conclusões

Porque é importante trazer todos estes fatos à tona?! Acontece que estes acontecimentos são relevantes mas nem seriam tão raros de acontecer como se poderia pensar, e algo muito semelhante também aconteceu em tempos recentes com o novo Buda, conhecido como Maitreya, sendo inclusive esta referência que permite hoje conhecer mais a fundo os fatos antigos que envolveram o jovem Sidarta.

Isto é importante porque as coisas do passado sofrem deformações com o tempo, seja em função dos mitos com se busca cobrir os fatos ou mesmo por simples interpretações equivocadas das coisas.

Ou seja, o cenário mítico no qual as biografias divinas são aureoladas já traz uma capa desafiadora de símbolos e de parábolas, mas não chega a provocar verdadeira distorção e, pelo contrário, até auxilia muitas vezes a perceber melhor a verdadeira magnitude dos acontecimentos. Não obstante, em cima disto ainda existem as interpretações tardias onde distorções importantes podem ser verificadas. 

Desde o começo o Budismo moveu uma grande campanha histórica contra o sistema de castas, e uma das razões foi justamente porque suas bases espirituais de ashramas ou etapas-de-vida não estavam sendo devidamente respeitadas, inclusive privando os sudras de acesso a elas. O Buda também pode conhecer em sua própria vida o quanto este sistema podia ser manipulado pelos poderosos em favor de causas pessoais e de interesses menores.

É fato que a espiritualidade escolhe os seus porta-vozes em famílias nobres, porém isto não significa que tudo ali será como um mar-de-rosas. Em muitas tradições antigas, o lar de origem dos mensageiros é um lugar de grandes reveses e conflitos. Isto vemos desde as origens com Cain e Abel, assim como a trágica família de Osíris, passando depois pela casa de Krishna e também de Rama, assim como mais tarde de Buda e São Francisco. De modo que esta situação parece quase mais uma regra do que uma exceção. 


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A Lenda do Kalki Avatar

Maitreya e o Xamanismo


Sobre o Autor

Luís A. W. Salvi (LAWS) é estudioso dos Mistérios Antigos há mais de 50 anos. Especialista nas Filosofias do Tempo e no Esoterismo Prático, desenvolve trabalhos também nas áreas do Perenialismo, da Psicologia Profunda, da Antropologia Esotérica, da Sociologia Holística e outros. Tem publicado já dezenas de obras pelo Editorial Agartha, além de manter o Canal Agartha wTV