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Dzogchen – um Samyama Budista

Um dos problemas mais sérios dos caminhos espirituais avançados é a perda dos referenciais autênticos e o reducionismo dos seus conceitos. Mesmo aqueles caminhos que se postula como sendo feitos para os tempos mais atuais estão sujeitos a problemas semelhantes, como é o caso dos Tantras, na medida em que as suas informações acabem sendo distorcidas por leituras realizadas desde óticas diferentes ou impróprias.

O sistema Yoga mesmo sofreu há muito esta perda de referências, de tal sorte que já não se sabe o que é meditação e menos ainda o Samadhi. De modo que por “meditação” se pratica apenas o Dharana da concentração e por Samadhi se imagina vagos insights de clareza mental cultivada.

O budismo em tese teria recuperado muita coisa a partir da sua própria síntese tântrica, porém mesmo aqui poderia ser otimista pensar que hoje ainda se preserva este conhecimento incólume, posto estar extremamente impregnado pelas ideias do próprio Mahayana.

De todo modo é alvissareiro saber que o Budismo se esforçou por refazer os conhecimentos esotéricos hindus. Muita gente se pergunta então sobre possíveis paralelos entre a Yoga hindu e a Yoga tibetana, imaginando com razão que deva haver muita coisa parecida, e o que é mais interessante é saber o quanto todas estas práticas podem chegar a ser mutuamente enriquecedoras e complementares. O Tibet trouxe muito conhecimento místico da Índia, e ainda agregou elementos de sua tradição nativa, o Bön, entre outros da China, criando assim uma síntese espiritual rica e promissora. Seria útil tecer então algum paralelo com as práticas das iogas hindus e tibetanas, como em relação ao Sistema Óctuplo de Patânjali ou Ashtanga Yoga, abaixo.

1&2.Yama/Nyama = Pakpé Lam Yenlak Gyépa (Senda Óctuple)

3. Hatha Yoga =  Trulkhor (Exercícios ióguicos)

4. Pranayama = Shamata (Interiorização) 

5. Pratyahara = Trekchö (Mente Natural)

6. Dharana = Vipassana (Plena Atenção)

7. Dhyana = Tögal (Clara Luz)

8. Samadhi = Tingédzin (Identificação)

Naturalmente existem muitas técnicas budistas de meditação, e nem sempre elas ocupam o mesmo papel nas diferentes escolas. Aqui oferecemos apenas uma visão muito geral do assunto. 

Dentro do Dzogchen (Atiyoga ou A Grande Perfeição) estão incluídos Trekchö (treinamento da Mente Natural) e Tögal (Clara Luz), que podem ser combinados também com Shamata (Interiorização) e Vipassana (Plena Atenção), tal como proposto pelo Lama Chogyan Trungpa

Deste modo as técnicas Dzogchen podem ocupar um lugar privilegiado no contexto do samyama (a tríade final Dharana, Dhyana e Samadhi) e próximo a ele, incluindo em pratyahara que representa um estágio também muito negligenciado no Yoga. As práticas Trekchö se relacionam muito uma contemplação da Natureza, e Natureza sempre dissemos possuir os ritmos do coração. 

Para nós resulta fácil relacionar o Ashtanga Yoga aos sete chakras, sendo Yama-Nyama preparatórios neste caso. Vale lembrar então que o sistema de chakras budista é sumário. Cabe dizer que nas suas raízes o Dzogchen estava relacionado ao desenvolvimento das práticas de Guru Yoga, buscando assimilar a forma, a mente e a fala do Buda.

Abaixo, ilustrações tibetanas de algumas técnicas de Dzogchen de visualização luminosa.


Técnicas Dzogchen de visualização luminosa, Templo de Lukhang, Tibet

Em Tögal especialmente, existem várias técnicas de visualização, contudo, e se começar a achar que tudo é apenas forma-pensamento destinada a se dissolver na vacuidade, se estará perdendo parte do verdadeiro propósito do exercício da clara luz. Seria como sujeitar um aspecto técnico a um elemento de sabedoria, um invadindo indevidamente o espaço do outro, gerando confusão e castração ao invés da verdadeira dialética que se pretende. É por essa razão que consideramos a interpretação tântrica-budista corrente de yab-yum muito parcial, por ser toda ela muito voltada para o espírito Mahayana, posto que tanto o vazio enquanto “sabedoria”, como a compaixão enquanto “técnica”, representam premissas basicamente mahayanis.

Para nós a verdadeira técnica teria relação com o Mantra (extensível ao Yantra ou Mandalas, ao Tantra e ainda aos Mudras), com todas as suas possíveis aferições, mas cuja importância é de todo modo tal no Vajrayana que se lhe confere por vezes o codinome de Mantrayana. Ainda assim a Escolástica tibetana, com suas raízes mahayanis mais antigas, foi forte o suficiente para eclipsar este fator em termos centrais de yab-yum; quiçá alguns tenham considerado a dada altura o aspecto mântrico como uma espécie de tabu, por ser poderoso e determinante demais em termos de iniciação para ser mais abertamente tratado...

Neste caso, não basta o uso da imaginação passiva, apenas visual e no máximo devocional, cabendo incluir também a vontade e a intensidade para acelerar e refinar a vibração através do mantra, pois se trata aqui de um autêntico processo criador.

Técnicas Dzogchen, estágios Tögal

A nossa grande preocupação é, pois, sempre a perda do autêntico elemento técnico no seio das Escolas de Iniciação, pois é onde se exige o maior esforço interior. No entanto, em comentários sobre transferência de consciência (phowa) nos ensinamentos Dzogchen, dois tipos de transferência são mencionados: 1. Transferência de entrar na esfera de luz clara (Tib. ösal bub juk gi phowa); 2. Transferência de consciência cavalgando a energia sutil (Tib. namshé lung shyön gyi phowa). 

Neste útimo tem-se já conexões com o simbolismo de Lungta, o Cavalo de Vento” (Vento é do Elemento Ar do chakra do coração, onde ocorre a iluminação real) com origem no xamanismo siberiano e que porta as jóias da auto-realização, como frutos preciosos da iluminação. Abaixo em versão tibetana (esq.) e noutra que configura as Armas oficiais da Mongólia.

A essência do tantra é transformar, mais que apenas purificar que é a tendência dos sutras mahayanis. Naturalmente o trabalho com as deidades iradas pode beneficiar no esforço do auto-empoderamento. Existe também um modo de transmissão de poder particular no Dzogchen, que visa a apresentação direta de rigpa (o Estado Primordial) ao discípulo, chamada de rigpa tsel wang ou ‘transmissão de poder da energia criadora de rigpa’, corresponde à quarta iniciação dos tantras, que é a iniciação da fala. Novamente uma brecha para o trabalho superior dos mantras.

De qualquer forma seria mesmo muito grave e lamentável que dentro do tantrismo budista já não houvesse uma compreensão satisfatória das duas formas de iluminações, a sapiencial e “existencialista” -a qual sabemos porém existir- e a técnica ou mântrica -esta sim bem mais sofisticada, complexa e esotérica. Somente dentro desta combinação é que existe realmente yab-yum e a própria Grande Perfeição simbolizada pelo próprio Adi Buda.


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